
A saúde mental dos profissionais que atuam no ambiente corporativo da pesquisa clínica tem sido um tema cada vez mais relevante, mas ainda tratado de maneira superficial por muitas organizações. As CROs (Contract Research Organizations), responsáveis pela condução de estudos clínicos quando assim contratadas pela indústria farmacêutica, operam sob métricas de desempenho bastante agressivas.
Burnout, Competitividade e Produtividade em Risco
A pressão pelo cumprimento de prazos e entregáveis, muitas vezes inatingíveis sem sacrifícios pessoais, transforma o cotidiano dos profissionais em uma rotina exaustiva, repleta de demandas urgentes e constantes replanejamentos. Esse ambiente pode levar à exaustão, ao burnout e, em muitos casos, ao afastamento por problemas de saúde mental, impactando diretamente na produtividade e na retenção de talentos.
Além da pressão operacional, há a questão da competitividade interna. O setor da pesquisa clínica é altamente regulado, técnico e exige profissionais qualificados, mas o reconhecimento pelo desempenho muitas vezes é medido apenas pela capacidade de lidar com a sobrecarga.
O incentivo, explícito ou velado, a estas jornadas de trabalho extenuantes gera um clima organizacional em que a colaboração é substituída pela concorrência entre os colegas.
Tal cenário se agrava ainda mais com a falta de preparo de muitos gestores, que, embora tecnicamente excelentes, não possuem a bagagem necessária para liderar equipes, uma vez que muitos deles são promovidos por sua expertise técnica e frequentemente não são treinados para lidar com aspectos humanos da gestão, como motivação, comunicação e desenvolvimento de talentos, tornando-se fontes adicionais de pressão para suas equipes.
O ambiente tóxico, infelizmente, não se restringe apenas às relações entre pares ou entre subordinados e gestores diretos. Em algumas organizações, esse tipo de cultura é fomentada e até incentivada pelos próprios diretores e CEOs.
A lógica de maximizar entregas a qualquer custo, sem considerar os impactos sobre os indivíduos, perpetua um ciclo de esgotamento e insatisfação profissional. Empresas que não investem na criação de um ambiente saudável acabam pagando o preço com altos índices de turnover, absenteísmo e quedas na qualidade do trabalho.
Clima organizacional saudável: um investimento estratégico
Em contrapartida, organizações que priorizam o bem-estar de seus colaboradores observam maior engajamento, produtividade e retenção de talentos, pois pessoas saudáveis, física e mentalmente, entregam mais e com maior qualidade.
Além de políticas institucionais que garantam jornadas de trabalho humanizadas, outro fator essencial para a construção de um ambiente saudável é a comunicação. O uso de uma linguagem assertiva, clara e respeitosa evita mal-entendidos e conflitos desnecessários.
Para isso, é fundamental que todos os profissionais, independentemente do departamento em que atuam, desenvolvam a escuta ativa e pratiquem a empatia no dia a dia.
Um ambiente em que as pessoas se sentem ouvidas e valorizadas promove um trabalho mais fluido, colaborativo e eficiente. Em um setor tão dinâmico e desafiador como o da pesquisa clínica, onde prazos apertados e imprevistos são frequentes, o modo como nos comunicamos pode fazer toda a diferença entre um time que se apoia e um time fragmentado e desgastado.
A sobrecarga nos centros de pesquisa e o impacto sobre os pacientes
Outro ponto crítico a ser considerado é a sobrecarga dos profissionais que atuam diretamente nos centros de pesquisa (clínicas ou hospitais).
Precisamos lembrar que são estes os profissionais que lidam diretamente com os pacientes e participantes dos estudos clínicos, pessoas que frequentemente estão em situação de vulnerabilidade, tanto física quanto emocional.
Muitos chegam inseguros em relação ao tratamento experimental, preocupados com sua saúde e com as incertezas inerentes à pesquisa. Diante disso, é essencial que os profissionais responsáveis por acolhê-los estejam com sua própria saúde mental equilibrada, para que possam exercer sua função com paciência, sensibilidade e ética.
Quando esses profissionais estão sobrecarregados, exaustos ou emocionalmente desgastados, a qualidade do atendimento e do suporte ao paciente pode ser comprometida, impactando diretamente a experiência dessas pessoas dentro do estudo clínico.
Não basta, portanto, que as empresas realizem ações pontuais para “cumprir tabela” quando o tema é saúde mental.
Publicar postagens no LinkedIn em apoio ao “Setembro Amarelo” enquanto exigem que seus funcionários respondam e-mails e mensagens fora do horário de trabalho e estejam disponíveis para viagens aos finais de semana e demandas de última hora é de uma incoerência flagrante.
Ações de conscientização são importantes, mas precisam ser acompanhadas de mudanças estruturais reais. Sem revisão de políticas internas que respeitem os limites e o bem-estar dos colaboradores, qualquer discurso sobre saúde mental será apenas uma estratégia de marketing vazia.
Autocuidado Profissional: Um Compromisso Ético com a Prática Clínica
Por fim, é preciso lembrar que nós, profissionais da pesquisa clínica, ainda que em diferentes níveis e funções, somos majoritariamente profissionais da área da saúde e, como tais, temos a responsabilidade real não apenas de seguir boas práticas técnicas e científicas, mas também de dar o exemplo quando se trata de bem-estar e qualidade de vida.
Não faz sentido exigir dos colaboradores dedicação extrema ao ponto de prejudicar sua saúde, enquanto promovemos estudos cujo objetivo final é melhorar a vida das pessoas.
Se queremos construir um setor forte, inovador e sustentável, é preciso olhar com seriedade para a saúde mental dos profissionais que fazem isso acontecer. Um ambiente saudável não é um luxo ou um benefício secundário – é um pilar essencial para o sucesso da pesquisa clínica como um todo.
Autoria do texto:
Juliana Santoro
Farmacêutica-Bioquímica com Especialização em Gestão Estratégica de Pessoas.
Mentora Certificada, com foco no Desenvolvimento de Carreiras na Pesquisa Clínica.