
Conduzir um protocolo de pesquisa clínica em um Centro de Pesquisa Clínica (CPC) é uma atividade complexa que envolve diferentes atores, interesses, tempo, custos e processos. Gerenciar esse projeto de forma integrada com qualidade e volume, já que o cenário é de crecimento, é um fator crítico para o sucesso do CPC.
Podemos considerar a condução do protocolo no CPC como um projeto pois, assim como define o PMI (Project Management Institute), uma das maiores associações de profissionais de gerenciamento de projetos do mundo: “um projeto é um conjunto de atividades temporárias, realizadas por um grupo de pessoas, destinadas a produzir um produto, um serviço ou resultados únicos “.
O centro se engaja temporariamente na condução do protocolo. É sabido (geralmente) quando ele irá iniciar e o seu prazo de término.
O produto (dados de qualidade preenchidos em CRF), também é previsto e será entregue ao longo dessa jornada.
O grupo de pessoas envolvidos nesse processo ponta-a-ponta (do Feasibility ao acompanhamento pós-protocolo), apesar de ser de multi-especialistas das mais diversas áreas, também é previsto.
Tudo isso permeado por um rígido controle para garantir a segurança dos participantes, aderência às boas práticas e normativas, qualidade na coleta e entrega dos dados e a sustentabilidade do centro.
Etapas do Gerenciamento de Projetos em Pesquisa Clínica
Gerenciar projetos envolve a aplicação de princípios e práticas para planejar, executar, monitorar, controlar e finalizar projetos com sucesso.
O PMBoK (Project Management Body od Knowloedge), corpo comum de gerenciamento de projetos do PMI, define o gerenciamento de projetos de uma forma mais “tradicional” como um conjunto de etapas e áreas de conhecimento. As etapas são:
- Iniciação do Projeto: É a fase em que se define e autoriza formalmente o projeto de pesquisa clínica, estabelecendo seus objetivos, escopo e partes interessadas, além de criar o termo de abertura do projeto.
- Planejamento do Projeto: Nesta etapa, são desenvolvidos planos detalhados para guiar a pesquisa clínica, abordando questões como cronograma, orçamento, recursos necessários, riscos e comunicações, garantindo uma base sólida para a execução.
- Execução do Projeto: Envolve a realização das atividades planejadas, como recrutamento de pacientes, coleta de dados, testes clínicos e administração de tratamentos, seguindo rigorosamente o protocolo de pesquisa.
- Monitoramento e Controle do Projeto: Durante toda a pesquisa, é essencial supervisionar o progresso, garantir o cumprimento do protocolo, identificar desvios e tomar medidas corretivas para manter o projeto na direção certa.
- Encerramento do Projeto: Ao concluir a pesquisa clínica, esta fase inclui a análise dos resultados, a documentação das lições aprendidas e o encerramento formal do projeto, com o relatório final e o arquivamento adequado dos registros e dados.
Essas etapas são executadas com um conjunto de áreas de conhecimento que desempenham um papel essencial em todas as fases da pesquisa clínica, ajudando a garantir que o projeto seja concluído com sucesso, dentro do escopo, prazo, orçamento e com qualidade, enquanto atende às necessidades das partes interessadas e mitiga riscos:
- Gestão de Escopo: Na fase de Iniciação, a gestão de escopo envolve definir claramente como será a condução do projeto de pesquisa clínica, incluindo os objetivos, limites e critérios de inclusão/exclusão dos participantes. No Planejamento, é elaborado o escopo detalhado do projeto, descrevendo as atividades e entregas necessárias.
- Gestão de Tempo: Durante a fase de Planejamento, a gestão de tempo é fundamental para criar um cronograma que inclua a sequência de atividades do projeto, os marcos de entrega, de pagamento e regulatório e estimativas de alocação de recursos. Ao longo da Execução, o acompanhamento do tempo é crucial para garantir que as atividades sejam concluídas dentro dos prazos estabelecidos, principalmente no que se refere a realização de visitas e recrutamento de participantes.
- Gestão de Custos: No Planejamento, a gestão de custos envolve a negociação de um orçamento detalhado aderente aos custos da instituição, considerando despesas com pessoal, equipamentos, suprimentos exames e outros recursos. Durante a Execução, é necessário monitorar os gastos para garantir que o projeto permaneça dentro do orçamento. Independente de instituições públicas ou privadas, o gerenciamento dos custos não pode ser negligenciada e é uma das áreas chaves para garantir a sustentabildiade do CPC.
- Gestão de Stakeholders: Em todas as fases, a gestão de stakeholders é fundamental. Na Iniciação, identificam-se as partes interessadas, como patrocinador, CRO, CEP, Investigador Principal, diretoria da instituição entre outros, e suas necessidades. Ao longo do projeto, é essencial manter uma comunicação eficaz e gerenciar as expectativas das partes interessadas.
- Gestão da Comunicação: A gestão da comunicação começa na fase de Iniciação, com a definição de como as informações serão compartilhadas e com quem. Durante todo o projeto, a comunicação eficaz garante que todos os envolvidos estejam cientes do progresso, dos desafios e das decisões tomadas. No encerramento e pós-projeto é importante manter um monitoramento das publicações e resultados do estudo para divulgação na comunidade local e potencial adoção das inovações nas práticas clínicas do serviço local.
- Gestão de Riscos: A gestão de riscos começa no Planejamento, com a identificação dos possíveis riscos associados à pesquisa clínica, principalmente com as questões de segurança e privacidade dos participantes e com o atraso na coleta , qualidade e segurança de dados. Durante o Monitoramento e Controle, os riscos são avaliados e medidas de mitigação são implementadas conforme necessário.
- Gestão da Qualidade: Em todas as fases, a gestão da qualidade é crucial para garantir que os processos e resultados da pesquisa clínica atendam às GCPs e aos padrões e regulatórios. Isso inclui a definição de critérios de qualidade para a coleta de dados, o monitoramento da conformidade e a realização de auditorias quando necessário
Esses processos e áreas de conhecimento podem ser de grande contribuição para o planejamento e acompanhamento andamento do protocolo, porém essa estrutura pode não ser suficiente para responder às incertezas e surpresas do dia a dia da condução dos estudos. A rotina diária requer com frequência um olhar atento ao ambiente, uma rápida resposta a mudanças, tomada de decisão ágil e alinhamento refinado entre as equipes.
Por essa razão, adotar também estratégias de gestão ágil pode ser profícuo nesse ambiente.
O que é a Gestão Ágil em Pesquisa Clínica?
Gestão de projetos ágil é uma abordagem que se baseia nos princípios do Manifesto Ágil para gerenciar projetos de forma flexível e adaptativa. Em vez de planos rígidos e detalhados, a gestão de projetos ágil enfatiza a colaboração, a resposta a mudanças e a entrega contínua de valor ao cliente. Ela promove equipes auto-organizadas, ciclos de trabalho iterativos e a priorização de tarefas com base no valor percebido pelo cliente. A gestão de projetos ágil é frequentemente associada a metodologias como Scrum e Kanban, que implementam esses princípios na prática.
Scrum para times de pesquisa clínica
SCRUM é uma metodologia expoente na gestão ágil que nasceu para equipes de desenvolvimento de softwares, mas se adapta aos mais diversos ambientes, inclusive times de pesquisa clínica.
A metodologia se vale de um conjunto de papéis, cerimônias e artefatos para implementar no dia a dia uma rotina de entregas contínuas.
O primeiro artefato importante é o backlog, que é o conjunto de entregas necessárias do projeto como um todo. As Sprints são as rotinas de curta duração (geralmente de 2 a 4 semanas) durante as quais um conjunto específico de entregáveis (sprint backlog) é realizado e entregue. A equipe (auto-organizada e multidisciplinar) e o Scrum Master (responsável por facilitar o processo e remover obstáculos) deve se reunir diariamente em reuniões chamadas de Daily de 15 minutos para alinhar o que estava previsto de ser realizado, o que está travado e o que será feito no próximo dia. Ao fim da Sprint acontece a Sprint Review e Retrospectiva.
Aplicado à rotina do CPC, podemos traduzir esse conjunto de ferramentas nos seguintes pontos:
- Backlog – Conjunto total de tarefas do projeto
- Feasibilities e Visitas de seleção
- Contratos e orçamentos
- Aprovações regulatórios
- SIVs e Treinamentos
- Visitas
- Eventos Adversos e Desvios em andamento
- Controle de estoques de Kits e Farmácia
- Monitorias
- Calibrações e renovações de treinamentos
- Pagamentos e Recebimentos
- Sprint planning – Selecionar, dentre o conjunto de atividades do backlog aquelas que precisam ser realizadas na próxima Sprint
- Daily – Reunião diária com todo o time do projeto para avaliar
- Tarefas do dia anterior
- Tarefas travadas, que devem sem encaminhadas para o gestor auxiliar no destravamento
- Tarefas do dia seguinte
- Sprint review – Revisão do planejado x executado.
- Acompanhamento das áreas de conhecimento do projeto:
- Escopo
- Cronograma
- Comunicações com partes interessadas
- Riscos
- Recursos
- Mudanças
- Análise de Indicadores estratégicos
- Status de recrutamento (previsto x realizado)
- Comunicados
- Presença/ ausências da Equipe
- Meetings
- Publicações
- Acompanhamento das áreas de conhecimento do projeto:
Modelo de Gestão de Projetos Híbrido para Pesquisa Clínica
Em resumo, a gestão de projetos ágil se concentra na capacidade de se adaptar rapidamente às mudanças e nas entregas incrementais de valor, em vez de aderir a um plano rígido. Ela valoriza a comunicação, a colaboração e a flexibilidade para atender às necessidades em constante evolução do cliente.
É importante frisar que ela é uma abordagem complementar à gestão tradicional propondo outros caminhos para se atuar em um ambiente complexo e cheio de incertezas/turbulências. Mas que as etapas, processos e áreas de conhecimento da gestão tradicional são necessárias no ambiente de pesquisa clínica que é altamente regulado, e com cronograma, orçamento e controle de qualidade rígido.
Assim, propomos um modelo de gestão híbrido que considera os processos de gestão de pesquisa clínica, as fases de um projeto e as disciplinas e artefatos da gestão de projetos do PMBoK e do SCRUM. O resultado é apresentado na figura à seguir:
Acreditamos que essa abordagem híbrida vai possibilitar ao centro aproveitar o melhor dos dois mundos: ter maior controle sobre questões críticas, menos mutáveis e sob maior regulamentação, ao mesmo tempo que possui uma equipe empoderada, entrosada, que responde rapidamente à imprevistos e que trabalha com planejamento e não apenas apagando incêndios.
Se você acredita que a pesquisa clínica deve ser encarada com cada vez mais profissionalismo, esse tema é central à discussão.
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