
É comum que, ao iniciar a trabalhar com pesquisa clínica, ou mesmo após um certo tempo, profissionais se incomodem com a quantidade de processos, detalhes, documentações envolvidas com a condução de ensaios clínicos.
Enquanto monitora, lembro-me de várias vezes que pedi repetidamente a membros de equipes de ensaios clínicos para esclarecer em prontuário o que tinha ocorrido com aquele paciente. Alguns me respondiam com um “mas isso já está claro”, “dá pra entender que isso aconteceu”, “isso é próprio da doença” ou ainda “eu nunca tive que escrever isso com tantos detalhes”. De fato, aquele profissional entendia o que tinha acontecido, ou melhor, ele sabia exatamente o que tinha acontecido por ter conduzido determinado procedimento ele mesmo.
Entretanto, o fato de ele saber o que aconteceu não quer dizer que outros saibam. O óbvio simplesmente não existe.
A documentação de toda a trajetória, de todos os procedimentos e do cuidado com o participante de pesquisa é primordial na condução de ensaios clínicos, e essa necessidade se dá por alguns motivos. Vou me ater a dois, nesse momento.
O primeiro deles é ter evidência de que aquele participante de pesquisa está ali por livre e espontânea vontade e que a confiança por ele depositada naquela equipe está sendo honrada em cada etapa do processo. Que ele consentiu em estar ali e que entende os riscos envolvidos.
O segundo motivo é ter evidência de que a equipe que está o assistindo, de fato, está cuidando dele e observando com um olhar diferenciado, afinal, ele não é um paciente comum. Ele está sendo exposto a um tratamento inovador, com riscos conhecidos, mas muitos ainda desconhecidos, e essa equipe é responsável por zelar por essa vida — mas não só essa, mas sim milhares de outras vidas que terão acesso a esse tratamento, caso ele seja aprovado pelas agências reguladoras com base no reporte correto e completo dos procedimentos e eventos ocorridos com esse paciente.
Armand Marie Leroi considera e descreve Aristóteles como o primeiro cientista verdadeiro da história, por ter usado métodos empíricos sistemáticos para investigar o mundo natural, especialmente os seres vivos.
Aristóteles foi discípulo de Platão, que por sua vez foi discípulo de Sócrates, considerado pai da ética. Aristóteles define ética como “o estudo do caráter e das virtudes, com o objetivo de alcançar a felicidade (eudaimonia), que se dá por meio da prática da virtude.”
Entendo que a prática da virtude deveria ser sinônimo do nosso serviço diário. É a nossa contribuição para o mundo e, no caso dos profissionais de pesquisa clínica, para a ciência do estudo de tratamentos em seres humanos.
E que tal praticarmos a nossa virtude para zelar pela vida de todos esses pacientes? Esse deve ser nosso compromisso diário.
Autoria do texto:
Caroline Manzan
Senior CRA Manager LATAM / Clinical Research Mentor