
Texto por: Daniela Dorta
A diversidade em pesquisa clínica é um tema central nas discussões globais sobre inovação em saúde. Recentemente, o FDA (Food and Drug Administration) publicou um guia destacando a importância de incluir populações diversificadas em ensaios clínicos, reconhecendo que diferenças genéticas, socioeconômicas e de acesso à saúde podem influenciar na resposta a tratamentos.
No Brasil, um país marcado por sua diversidade étnica e geográfica, surge a pergunta: estamos refletindo essa heterogeneidade em nossos estudos clínicos? Especial atenção deve ser dada à inclusão de participantes do Norte e Nordeste, regiões frequentemente sub-representadas, mas fundamentais para garantir que os resultados dos estudos atendam a toda a população brasileira.
O FDA, em seu guia sobre diversidade (2020/2022), enfatiza que a inclusão de populações diversas em ensaios clínicos não é apenas uma questão de representatividade, mas uma exigência fundamental para garantir a segurança, eficácia e equidade na medicina baseada em evidências. Populações diversas podem apresentar:
• Respostas diferentes a medicamentos, devido a fatores genéticos e ambientais;
• Taxas variáveis de condições crônicas ou predisposições genéticas;
• Diferenças no acesso à saúde e exposição a fatores de risco, como doenças infecciosas e metabólicas.
No Brasil, regiões como o Norte e Nordeste possuem não apenas características genéticas e ambientais específicas, mas também contextos socioeconômicos e culturais que influenciam a saúde da população, tornando sua inclusão ainda mais crucial.
A Participação do Norte e Nordeste em Estudos Clínicos: Onde Estamos?
Poucos dados nacionais consolidados estão disponíveis publicamente sobre a participação regional em estudos clínicos, mas números preliminares indicam que a grande maioria das pesquisas clínicas no Brasil está concentrada no eixo Sul-Sudeste. Estudos publicados e relatos de associações que monitoram esses números mostram
que:
• Aproximadamente 70-80% dos estudos clínicos acontecem em centros das regiões Sudeste e Sul.
• Regiões como o Norte têm pouca infraestrutura e menor número de centros de pesquisa certificados, fator que impacta diretamente a inclusão. Exemplos de estados como Acre, Rondônia e Roraima destacam raros
estudos realizados ou parcerias limitadas com patrocinadores internacionais.
• O Nordeste, embora mais representativo, enfrenta desafios como menor capacitação de centros e investigadores comparados ao Sudeste.
Essa disparidade reflete um problema que não é exclusivo do Brasil: estudos clínicos tendem a se concentrar em locais de maior infraestrutura médica, econômica e regulatória, excluindo populações mais distantes ou em vulnerabilidade.
Por que Incluir o Norte e Nordeste é Fundamental?
A inclusão dessas regiões ajudaria a ampliar a representatividade nos seguintes aspectos:
1. Genética e Epidemiologia Únicas:
a. A população do Norte e Nordeste apresenta alta miscigenação (desenvolvida a partir da interação entre indígenas, africanos, europeus e outras populações). Isso pode influenciar a resposta a diversas terapias.
b. Doenças infecciosas como malária, leishmaniose e dengue são prevalentes nessas regiões, trazendo cenários únicos para estudos ligados a imunologia e doenças tropicais.
2. Desafios de Acesso à Saúde:
a. Estudos clínicos realizados nessas áreas podem ajudar a compreender barreiras no tratamento de doenças, trazendo inovações que se adaptem às limitações locais (ex.: terapias de baixo custo, maior simplicidade de
administração).
3. Equidade na Pesquisa e Ciência:
a. Inclusão de populações que muitas vezes não têm acesso a terapias inovadoras ajuda a garantir que os avanços em saúde sejam universais, ampliando o acesso e os benefícios clínicos para todos os brasileiros.
Principais Desafios para Ampliar a Diversidade em Pesquisa Clínica
Apesar da importância da inclusão, a participação das regiões Norte e Nordeste enfrenta barreiras significativas:
1. Infraestrutura Insuficiente
• Falta de centros de pesquisa clínica equipados e capacitados para cumprir exigências de estudos clínicos.
• Recursos escassos, como acesso a equipamentos laboratoriais, suporte regulatório e infraestrutura essencial (hospitais com capacidade para ensaios diferenciados).
2. Capacitação de Investigadores
• A ausência de treinamento adequado para profissionais da saúde em boas práticas clínicas (ICH-GCP) reduz a capacidade dos centros na execução de estudos.
• A limitação no número de coordenadores de estudos experientes em processos regulatórios (e.g., submissão à CONEP, ANVISA) dificulta a viabilização de protocolos.
3. Logística e Viabilidade
• Grandes distâncias em estados do Norte (e.g., o Amazonas) aumentam os custos operacionais de estudos, dificultando o transporte de produtos sob investigação, insumos e amostras biológicas.
4. Viés dos Patrocinadores
• Empresas farmacêuticas e organizações de pesquisa contratadas (CROs) tendem a investir em regiões com maior infraestrutura e retorno de investimento, priorizando grandes centros urbanos, como São Paulo, Rio de Janeiro e Porto
Alegre.
Estamos Caminhando para a Diversidade?
Algumas iniciativas promissoras vêm sendo implementadas para reduzir essas lacunas como o aumento de investimentos públicos e privados em centros regionais das regiões Norte e Nordeste, parceiras internacionais para estudos focados nas especificidades regionais, como vacinas para doenças tropicais e crescentes discussões regulatórias tanto Anvisa quanto CONEP vem abordando a questão da representatividade em estudos clínicos como parte de estratégia de saúde pública.
No entanto, ainda estamos longe de alcançar uma verdadeira diversidade em pesquisa clínica no Brasil. É necessário um esforço conjunto entre patrocinadores, reguladores, centros de pesquisa e organismos públicos para superar barreiras logísticas, capacitar equipes e garantir infraestrutura adequada.
Neste contexto da diversidade na pesquisa clínica é importante refletirmos sobre questões importantes, estamos aproveitando o potencial único das regiões Norte e Nordeste para inovar em pesquisa clínica? Como podemos incentivar patrocinadores e CROs a investirem mais nessas áreas? Existe uma colaboração suficiente entre pesquisadores, reguladores e patrocinadores locais? Que tipo de políticas públicas podem fomentar a equidade regional na condução de estudos?
A diversidade em pesquisa clínica é mais do que uma meta: é uma necessidade urgente para alcançar tratamentos eficazes e equitativos. Incluir as populações do Norte e Nordeste brasileiro nos ensaios clínicos é fundamental para que as terapias reflitam as reais características de nossa população, garantindo segurança e eficácia em um país
tão diverso. Para isso, precisamos quebrar barreiras institucionais, capacitar equipes e criar um ambiente de pesquisa que valorize a inclusão.
O futuro da ciência não deveria ser resultado que beneficiem a todos — de São Paulo ao interior do Amazonas?
Se você é pesquisador, patrocinador ou parte interessada, convidamos você a refletir e debater sobre como colaborar para ampliar a representatividade regional em suas iniciativas. Vamos construir soluções juntos!
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